Conceitos e perfis
A nossa voz é um dom concedido na Criação. Ela é um dos componentes da linguagem oral, essencial nos processos de socialização humana pelas implicações que causa nas relações interpessoais e profissionais. Não precisamos entender o processo fisiológico de produção da voz para saber que, através dela, nós demonstramos doçura, tristeza, entusiasmo, fraqueza, paz, e tudo o que há no interior do homem.
A voz também é empregada na relação com Deus, seja desde o primeiro trabalho de Adão em que, de forma privilegiável, pode nomear todo animal do campo e toda ave do céu (Gen 2.19-20), até mesmo em nossa adoração, invocações e orações diárias, manifestando agradecimentos e pedidos. Já entendia o salmista sobre a importância atribuída ao uso da voz na prática espiritual quando citava: “Louvarei ao Senhor durante a minha vida; cantarei louvores ao meu Deus, enquanto eu viver” (Salmos 146.2).
A voz, a palavra e o corpo formam o tripé da comunicação. Em nossa igreja encontramos pessoas que manuseiam tão bem ou tão mal estes recursos como em qualquer outra instituição. Devemos entender, porém, que nossa pregação vem ocupando, de modo crescente, diversos espaços como na evangelização, na atividade missionária, no ensino religioso, nos ofícios casuais (batismos, casamentos, sepultamentos), nos programas cristãos no rádio e TV, tornando ainda maiores as exigências para uma boa comunicação.
Em meio a estes cenários, surge um histórico personagem: o pastor, que é o sacerdote protestante, guardião ou mentor espiritual (Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa). Suas principais atribuições são dirigir a igreja local e cuidar de suas necessidades espirituais, apascentar as ovelhas, refutar heresias doutrinárias e exercer vigilância contra pretensos opositores, conseguir uma participação contínua dos fiéis nos cultos, nas campanhas de fé, coordenar o drama local, dedicar-se à pregação nos cultos, ao ensino bíblico, ao canto de louvores, à atuação como conselheiro espiritual e administrar a Igreja, ou seja, representa o governo eclesiástico. Em alguns casos, ainda desempenha outras atividades profissionais fora do âmbito da igreja. Ou seja, o pastor é um verdadeiro atleta da voz.
Na época da Reforma Protestante, os pregadores anunciavam o evangelho em locais e condições variadas, desde ao ar livre até em ambientes fechados como tendas. Ao ar livre o som se perdia e impedia do pregador ouvir sua própria voz, sendo forçados a gritar “até rebentarem os vasos sanguíneos”. Já nas tendas a acústica era ruim, pois, a voz sob a lona era amortecida e o esforço para falar aumentava de forma abusiva (1).
Atualmente, apesar de todos os recursos tecnológicos e conhecimento disponíveis, os pastores cometem abuso vocal com freqüência, devido ao uso da voz com intensidade exagerada, falta de impostação vocal de maneira correta, má articulação, respiração e postura corporal inadequadas, que podem acarretar transtornos à saúde vocal e, comumente, comprometer o entendimento do discurso por parte do ouvinte.
Pesquisas recentes mostram que os achados vocais nos pastores são: sinais de alterações na qualidade vocal (rouquidão, soprosidade e tensão vocal), sintomas de desgaste vocal e tensão corporal (2). Cabe salientar que rouquidão é a alteração mais comum e, geralmente, está relacionada a lesões orgânicas da laringe como a vasodilatação, edema, nódulos edematosos ou pólipos, podendo também surgir neoplasias (3), que produzem como resultado uma qualidade vocal ruidosa, com altura e intensidade vocais frequentemente diminuídas.
Diante disto, faz-se necessária a conscientização dos pastores no que se refere à adequação do comportamento vocal e modificação das condições do ambiente para favorecer a pregação de maneira correta e saudável, conservando a voz por muitos anos.
Esperamos abordar no próximo artigo diversas orientações e aconselhamentos para pastores, a respeito das condutas que podem colaborar para uma produção vocal mais flexível, sendo capazes de responder a múltiplas demandas sociais, profissionais e pessoais, sem ter como resultado a fadiga, esforço excessivo nem sinal de deterioração da voz. Se Deus assim permitir, que esta cooperação venha edificar e instruir o ministério pastoral, o qual usa a voz para anunciar a Sua mensagem. Assim como diz João, “desejo que te vá bem em todas as coisas, e que tenhas saúde, assim como bem vai a tua alma.” (3 João 1:2)
Referências
1. Spurgeon, CH. Lições para meus alunos. São Paulo, Publicações Evangélicas Selecionadas, 1980. 152p, Vol. I.
2. Quintanilha JKC, Melo CCL. Análise vocal de pastores de igrejas evangélicas. Com. Ciências Saúde. 2008; 19(1):35-42.
3. Behlau M, Pontes P. Avaliação e Tratamento das disfonias. São Paulo: Lovise, 1995; 21-135.